quinta-feira, 13 de maio de 2010

Parabéns a todos !!!

É verdade, é uma questão de olhar para o calendário, chegamos de Angola a 13 de Maio de 1968, estamos a 13 de Maio de 2010, já lá vão 42 anos.

Valeu a pena? É uma pergunta que muitos de nós fazemos todos os dias? Saímos de Lisboa no velho Uige , jovens, sem saber ao certo o que nos esperava, acho que regressamos, velhos e estropiados, no velho Niassa, sem ter tido quaisquer tipo de resposta.

Por lá deixamos a nossa juventude e os nossos queridos Camaradas, lutamos por algo que muitos de nós não sabia o quê. Mas lutamos e dignificamos este Portugal que tão mal nos têm maltratado.

Cresceu entretanto uma corja de Políticos á sombra do nosso esforço e da Vida dos nossos Camaradas, que nada mais têm feito do que encher os seus já abastados bolsos, fomos totalmente esquecidos.

Temos como prémio uns largos 2 centimos por mês, nunca tivemos coragem de os devolver ao Presidente da República, nosso chefe das Forças Armadas, somos assim na nossa maioria pacíficos.

Os meus são anualmente gastos em flores e colocado em honra dos Camaradas que perderam a vida por esta Pátria, que se diz ser de todos nós. (para mim ela é só de alguns).

Mas não estou aqui para me lamentar, mas para dar os Parabéns aqueles que até ao dia de hoje souberam fazer jus á Camaradagem adquirida, a todos o meu BEM – HAJA, aos traidores,

A minha verdadeira repulsa.

Um Camarada

Rescaldo Encontro do 2 de Maio

Mais uma vez realizou-se um Encontro do n/Batalhão para comemorar o 42º Aniversário da n/chegada de Angola. Estiveram presentes cerca de 300 pessoas , entre combatentes e familiares e o convívio foi um , mais uma vez , um êxito.
Houve um combatente que , só à sua conta , levou 12 pessoas ( esposa , filhos , genros e netos ) .
Parabéns Serafim
Família Serafim



BCAV1883 - 2º Encontro Fátima (2-05-2010)



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BCAV1883 - 2º Encontro em Fátima (2-05-2010)



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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fotos Encontro 2 de Maio em Fátima


FOTOS ENCONTRO DIA 2 DE MAIO EM FÁTIMA

MORTOS EM ANGOLA


Venâncio Marinho Cruz

Alferes Miliciano - C.CAV. 1537

Morreu em combate no Leste de Angola a 27 Março de 1968.
-

Vítor Manuel Azevedo Castelo Branco

Soldado nº. 2127/65 - C.Cav 1537.

Morreu em combate no Leste de Angola a 27 Março 1968.

-

Celestino do Carmo Pereira

Soldado nº. 2130/65.

Morreu em combate no Leste de Angola a 27 Março 1968.

-

José Manuel Macedo Azeredo Pais

Alferes Miliciano.

Morreu em combate no Leste de Angola a 28 Março de 1968.

-

José Martins Cavaco

Furriel Miliciano.

Morreu em combate no Leste de Angola a 27 Março de 1968.

-

Joaquim José Capela de Cristo

Soldado nº. 1506/65.

Morreu em combate no Leste de Angola a 27 Março 1968.

-

Manuel Caetano Nunes

Solldado nº. 2646/65.

Morreu em combate no Leste de Angola a 28 Março de 1968.




António Correia dos Reis


Soldado nº. 2691/65

Morreu em acidente em serviço em 6 de Abril de 1967



José dos Santos Cardoso


Soldado nº. 2091/65 - C.Cav. 1536

Morreu em combate no Norte de Angola a 24 Março de 1967



segunda-feira, 10 de maio de 2010

Natal em tempo de GUERRA


À memória do nosso Camarada,

VENÂNCIO MARINHO CRUZ,

morto em combate em ANGOLA, em 1968,e condecorado, a Título Póstumo,

com a Medalha de Valor Militar de Prata, com Palma.

A dança ia começar! Ia ter início a operação a fazer até ao fim do ano de 1966.

Mentalmente, o capitão da Companhia Charlie do Batalhão de Cavalaria, recordou os efectivos de que dispunha. Talvez três grupos de combate[1]. O que importava agora, era saber qual o objectivo inimigo que iriam atacar.

Calmamente, apagou o cigarro no improvisado cinzeiro feito de uma das latas das rações de combate, pregado na madeira do pré-fabricado, "ÁREA RESERVADA ".

O capitão das operações estava sentado à mesa de trabalho.

– Então vamos ter festa?

– Vamos fazer uma operação de Batalhão.

– Muito bem. Conte coisas.

– Vamos atacar um quartel inimigo. Situa-se na margem direita do Dange, para os lados da Fazenda Maria Fernanda. É um quartel do MPLA. Vamos ali à carta de situação para eu lhe mostrar o objectivo.

Atravessaram a sala até à parede tapada por uma cortina. O sargento auxiliar das operações afastou-a.

No plástico estavam assinaladas, com muitos círculos e triângulos vermelhos, as referencias dos quartéis e agrupamentos inimigos, já que ali não havia populações.

– Como você pode ver, aqui, no fundo deste rio, junto da foz com o Dange, tem o MPLA um quartel. Julga-se poderem lá estar cerca de trezentos “turras”, bem armados. Há notícias da presença de eventuais instrutores cubanos. Têm atacado em emboscadas, na estrada do Piri e na picada que vai da Maria Fernanda à Missão.

– É aquele quartel referido no último "perintrep[2]"? Diziam ser a maior concentração inimiga no Norte de Angola.

– É esse exactamente. Julgo contudo que, se o atacarmos de surpresa, iremos ter grande sucesso. Basta um pouco de sorte. Vamos empenhar na operação as três Companhias operacionais do Batalhão. Você, por ter a tropa mais descansada, fará o golpe de mão ao objectivo. A Alfa desce desde a picada da Missão, por este rio abaixo – apontava na carta – para dar tempo a que a sua tropa se aproxime do objectivo. Ao nascer do sol, no dia D, a aviação desencadeia um bombardeamento, competindo à Companhia Alfa impedir a retirada dos elementos inimigos que eventualmente pretendam vir a escapar-se pelo rio Dange. A Bravo constituirá de reserva do comando. O posto de comando será montado na fazenda Margarido, onde, como sabe, há a pista de aviação. Eu e o Comandante, iremos para lá durante a operação.

– Mas a distância da picada entre a Maria Fernanda e a Missão ao tal quartel inimigo é muito grande. Deve ser mais de um dia de caminho.

– Não há problema, pois a PIDE tem um prisioneiro que conhece bem a região. Você vai levá-lo como guia.

– Segundo li no "perintrep", todos os trilhos de acesso ao quartel estão armadilhados. Eles têm vigias sobre a picada e os trilhos.

– Parece que assim é. Você e a sua tropa vão ser lançados de noite. Quando o sol nascer já estarão infiltrados na mata e muito longe da picada. Resumindo: irão daqui para a Maria Fernanda em coluna auto. A Companhia Bravo incorpora-se na mesma até à Fazenda Margarido. Para garantir a eficiência das comunicações e guarnecer o posto intermédio de transmissões, um dos seus grupos de combate ficará na Missão. Sob o seu comando, os outros dois grupos de combate fazem o golpe de mão.

– Mas para aquele objectivo decisivo, não acha pouco só dois grupos de combate? Nós vamos atacar! Não vamos defender!

– Você sabe tanto quanto eu: quantos mais forem, maiores são as possibilidades de não ter sucesso no golpe de mão. O factor da surpresa aqui, é determinante. – Acendeu um cigarro e continuou: – No dia D menos um, de madrugada, cerca das quatro da manhã e já sem lua, a coluna auto parte da Maria Fernanda para a Missão. Vocês saltam das viaturas em marcha, de modo a não denunciarem o local do lançamento. Internam-se imediatamente na mata e, uma vez reagrupados, iniciam a marcha. Até aqui tem alguma dúvida?

– Não. Pode continuar.

– Como lhe disse, a Companhia Alfa também irá consigo até à Missão. Quando o sol nascer, inicia a progressão apeada nesta direcção – marcou, com o lápis dermatográfico, uma seta azul no transparente – enquanto o tal grupo de combate toma conta das viaturas, guarnece a posição e vai preparar e melhorar a posição defensiva para as transmissões. É possível que os “turras” venham a chatear com pequenas flagelações. Até será bom para si. Servirá de manobra de diversão. Há imensas probabilidades de não serem detectados.

– Não sou tão optimista. Depois se verá, como diria o cego...

– Como está realmente a sua Companhia no que diz respeito a efectivos?

– A malta está muito apalpada ainda da operação Quissonde... de qualquer forma, poderei arranjar dois grupos de combate, reduzidos, claros!

– Somente dois grupos? O que é feito do resto do pessoal da Companhia?

– Há gente no Hospital em Luanda e ainda não foram feitos os recompletamentos[3] desde que saímos de Lisboa. Mas para este tipo de acções nem todos servem. Há que fazer selecção e uma selecção, entre tão poucos, não garante lá muita qualidade, não acha?

– Os que não sirvam para ir ao golpe de mão podem ficar no grupo de combate que guarnece a Missão.

– Não é aí que está o problema, mas sim, na escolha daqueles que têm de ir comigo. Também não vou mandar para a Missão só pessoal que não possa resistir, pois tenho a certeza, diria que absoluta, de que irá haver “molho” de verdade. Não me passa pela cabeça pôr no posto intermédio de transmissões, fundamental para a manobra, só guarnecido por "bazarucos[4]"!

– Fará como entender. O problema é seu. A partir de amanhã teremos à nossa disposição, um avião DO-27 para o posto de comando. No dia D, ao amanhecer, quatro jactos farão um bombardeamento de ataque ao solo. Depois, como você já deve estar perto, fará imediatamente a exploração do sucesso. Pode até orientar e pedir o apoio de fogo que quiser. Os jactos são comandados pelo seu amigo major Brito. Acredite: vai ser um sucesso para si e para o Batalhão. Imagine a cara dos "ares condicionados" do Quartel-General em Luanda, quando souberem que nós, somente com o Batalhão, fomos capazes de tomar o grande quartel N'Galama Piri ao MPLA!

– Veremos depois. O terreno é muitíssimo acidentado e a vegetação não pode ser mais densa; nem se conseguem ver os aviões. As transmissões são outro problema. Nesta época de cacimbo tenho sérias dúvidas de que os jactos tenham tecto[5] logo de madrugada.

– Aqui tem o seu exemplar da ordem de operações. Não se esqueça de contactar o Migalhinhas por causa da sintonia de todos os rádios.

– Muito bem. Por quantos dias vai durar a operação?

– Estimamos quatro ou cinco dias, incluindo as marchas de ida e volta.

– Isso é que é optimismo! Na melhor das hipóteses regressaremos na véspera do Natal. Se houver um “atascanso” na picada ou coisa do género, arriscamo-nos a passar a consoada a ração de combate e o Natal aos tiros!

– Olhe, meu caro, isto é uma guerra. Não é uma colónia de férias. Tudo o que necessita saber está na ordem de operações. Resta perguntar ao Comandante se lhe quer dizer alguma coisa.

Dizendo isto, atravessou a sala, desviou a cortina, e entrou na pequena dependência, que servia de gabinete do coronel.

– Dá licença, meu comandante? Está aqui o comandante da Charlie. Recebeu já a ordem de operações para a operação "Alta Escola”.

O comandante assomou à porta.

– Boa tarde, capitão. Parece que o oficial de operações já lhe explicou tudo. Se tiver algum problema de logística, fale com o nosso major. Recomendo-lhe pontualidade na saída. Detesto atrasos.

– Farei por que haja pontualidade.

– Dá licença, meu comandante?

O padre capelão, sem esperar resposta, ia entrando. Esfregando as mãos, aproximou-se da mesa do Comandante.

– Há novidade, capelão?

– Disseram-me que vai haver uma operação muito grande, e vinha lembrar, que temos preparada a festa do Natal... se vão todos os homens que temos estado a ensaiar, não sei como irá ser...

Uma vez mais, os altos segredos da guerra tinham falhado. Lá fora já toda a gente sabia! O tenente capelão continuou:

– Se os rapazes da orquestra e os que têm estado a ensaiar não forem dispensados, julgo que não vai haver festa de Natal.

– Capelão, quem lhe disse que iria haver uma grande operação?

– Ai, meu capitão, toda a gente o sabe! A mim disse-mo o sacristão, por o ter ouvido a outros soldados na loja do Russo. Agora veja, quando aquele pateta o sabe... isto no fundo é uma grande família, meu comandante!

O capitão de operações reagiu:

– Assim não pode ser. Há aqui uma fuga de informação impressionante. Os nossos planos, a estas horas, já devem ser do conhecimento dos “turras”, com tantos assalariados que tem o civil! Isto assim não pode ser!

– É efectivamente uma grande maçada esta fuga do segredo!

Disse o comandante, sempre imperturbável; voltando-se para o capelão, acrescentou:

– Capelão, haverá festa de Natal e operações; não se preocupe! Mais alguma coisa?

nota: ESTA SÉRIE DE ARTIGOS TEM UM FUNDO MUITO REAL. FOI RETIRADA DO LIVRO DE BERNARDINO LOURO, "ESCRITAS NA AREIA" a publicar no próximo ano.

(cont)

Fotografia de " OsLuenas@groups.msn.com"

[1] Um grupo de combate tinha cerca de trinta homens
[2] Relatório periódico de informações operacionais
[3] Substituição de combatentes
[4] Novatos
[5] Altura para operação das aeronaves

Natal em tempo de GUERRA


Na região dos Dembos a noite corre pesada. Choveu toda a noite; uma chuva contínua e grossa. A atmosfera está carregada de electricidade. A chuva tamborila nas latas onduladas que cobrem as casernas dos soldados e os outros edifícios.

Durante a noite, as sentinelas foram-se rendendo entre si, pelo simples processo de se despertarem uns aos outros. Sonolentos, num gesto automático e rotineiro, pegavam maquinalmente, na espingarda automática, que estava dependurada ao fundo da cama, e andando e bocejando, seguiam para o posto de sentinela.

À porta da caserna, a chuva torrencial batia-lhes no rosto. Só então acordavam. Voltavam atrás. Calçavam as botas, apertavam os atacadores, vestiam às avessas o poncho impermeável, com a parte de borracha para fora – só assim aquilo abrigava da chuva! – protegiam carinhosamente a arma e corriam para o embondeiro. Ai estava montado o posto de sentinela.

Um outro, que procedera de maneira idêntica, vinha completar o posto de sentinelas dobradas.

– Éh pá, chove como merda!

– Esta hora é a que mais me custa fazer. Estava a sonhar com umas gajas bestiais, quando aquele sacana do Gordinho me foi chamar!

– Óh Guerreiro, deixa-te de galgas. Não me adormeças com histórias! Hoje, em véspera de operação, estavas mas é a cagar-te com medo de o capitão te engatar. Que porra de guerreiro és tu?

– Não me "chates ", nem te ponhas para aí com bocas. Eu não tenho medo de nada. Se o capitão me não mandar p'rà guerra, é porque sabe que me dão ataques e vejo muito mal. Ele também precisa de um tipo de confiança, como eu, para tomar conta da caserna, enquanto vocês estão lá fora.

– Tu és é um "arame-farpado"!

Apalpando com os dedos a arma do camarada, continuou, com o seu sotaque arrastado de madeirense

– Olha pá… tens a bala na câmara?

– Atão nã havia de ter?

– Deixa lá ver mas é essa merda. – Sem que o outro opusesse qualquer resistência, tirou-lhe a arma da mão, sacou o carregador e, puxando a culatra atrás, fez saltar o cartucho da câmara, acrescentando: – Pega lá, não me fodas; mete o carregador no bolso. Segura bem essa porra da espingarda e aponta isso bem p'ra lá, pois o Diabo disparou uma tranca. Tu és muito nervoso e isso contagia a arma!

Acendeu um cigarro e, imediatamente, ocultou-o na mão.

– Não fumes, pá. Vem aí o sargento da ronda e dá uma bronca, a ti e a mim.

– Deixa lá. Quando eu o sentir apago a beata.

– Bem, afinal contas, ou não, esse sonho das gajas?

– Óh Madeira, tu és um gajo porreiro! Há aí uns sacanas com quem é impossível fazer guarda. Passam o tempo a implicar comigo, oferecem-me porrada e chateiam-me os cornos, porque eu gosto dos doces das rações de combate! Tu, lá na caixa, não tens lá uns docitos que me queiras dar?

– Já mo podias ter dito há mais tempo. Tenho lá uma quantidade enorme dessa merda, que deito fora.

– Para mim são muito bons!

– Não há dúvida. És um verdadeiro "arame farpado"! Se andasses na mata, nem os querias ver. Qualquer dia o capitão empurra-te para um desses PI's, onde se está parado uma semana… e então é que te vais fartar dos doces das rações! Olha que o gajo tem a mania de dizer que a guerra é para ser feita por toda a malta.

– Se ele me quiser mandar, eu alinho.

– Que remédio tens tu, pá!

– Amanhã, quer dizer, daqui por um bocado, tu alinhas p'rà operação, não é, Madeira?

Estendeu-lhe o maço de cigarros.

– Não obrigado. A mim, pá, só me saem duques! Ainda não falhei nenhuma. O capitão fode-me sempre! Como vai à bola comigo... – e imitando o falar do capitão – sô Madeira para aqui, sô Madeira para ali... – e o pobre do Madeira é quem se trama!

– Mas tu já foste louvado e vais ter o prémio Governador-Geral!

– Parece que sim. Noutro dia até mandei a folha da ordem de serviço p´rà minha, numa carta que me escreveu o Saraiva, o escriturário.

– Quantos anos tens, pá?

– Vinte e seis. Sou da idade do capitão. Quando estive no quartel de S. Martinho lá do Funchal desenfiei-me muitas vezes... e os cabrões ferravam comigo na “casa da rata”[1]. Como eu já era casado, uma vez pedi para me deixarem ir a casa, pois já não havia que comer. Pedi ao sorja[2] da Companhia, que me arranjasse uns dias de licença. O filho da puta não me desenrascou, e eu... pus-me ao caminho e marchei p´ra casa. Tinha lá muito que fazer! A minha, tinha tido naqueles dias um rapaz, que a ia matando. Os dias foram-se passando até que uma bela manhã os “cabeças de giz” da Polícia Militar foram-me lá buscar num jeep. Azar...

– E de tropa?

– Olha, já nem sei bem... talvez uns cinco, eu sei lá... e ainda tenho de terminar esta comissão! Vim por ser “correccional”. Mandaram-me escolher entre o barril do Forte de Elvas e isto aqui! Pelo menos foi isso que me disse o primeiro que me mobilizou. Agora que já cá estou, até nem me importo muito. Ando a pensar em por aqui ficar no final da tropa. Mando vir a patroa e os putos, e toca a viver aqui! Sempre é bem melhor do que lá na Madeira!

– Mas tu bebes demais, óh Madeira!

– Na nossa terra, a gente começa a tomar bebedeiras muito cedo. Era ainda um fedelho quando o meu pai me dava a provar da rija, a aguardente de cana lá da Madeira, sempre que a minha mãe m´o mandava chamar à venda, lá no Porto Moniz. Ai que saudades tenho da nossa aguardente de cana!

– Eu só posso beber coca-cola.... como me dão ataques ....

– Grande merda! Lá no Porto Moniz, há uma mulherzinha a quem davam também ataques... sabes que horas já são, Guerreiro?

– Devem estar a dar as cinco. Temos que “dominar esta pantera”[3] até que seja dia e nos venham render os gajos da ´CCS[4]. Já não deve faltar muito!

– E isso a ti que diferença faz? Nós vamos embora e tu vais para a caserna e metes os cornos na palha todo o dia.

– Isso é que era bom! Sempre que vocês vão p´rà mata, vou adir à CCS. O capitão é um “lateiro”, filho da puta. Passa o tempo a marrar comigo só porque sou um operacional. Depois vem o chato do major a engatar gajos p´ra irem trabalhar nas obras do poço que ele quer abrir ali na horta. O gajo é uma chaga que nem tu imaginas! Noutro dia, estava eu fechado na caserna a escrever um "bate-estradas"[5] a umas tipas que engatei nos anúncios do Notícias de Angola, – umas gajas que adoram ser madrinhas de guerra da malta –, quando o sacana, que anda sempre a meter o nariz em tudo quanto é canto, desatou às porradas à porta. Fez-me explicar mais de cem vezes, o que estava eu ali a fazer. Chateou-me a porca e, no fim, disse que me dava um grande “porradão”[6] se me voltava a encontrar ali desenfiado. E vê lá tu, pregou comigo, eu, um doente, a cavar e a tirar terra, toda a semana, nesse maldito poço. Fartei-me de lhe dizer que me davam ataques, mas o sacana cagou-se no assunto e não fez caso. Uma semana no poço! Filho da puta!

– Olha que sempre é bem melhor trabalhar no poço do que andar na mata. No poço sempre se pode fazer sorna!

– Óh Madeira, vocês hoje vão p´rà Maria Fernanda[7], não é verdade? Ouvi-o dizer ontem na tasca do civil. Aquilo é bem fodido!

– A mata é muito fechada e lá os “turras” têm força como o caralho!

– Éh pá... se te queres dormir um bocado encosta-te ali p´ra trás. Ai não chove. Se aparecer o sargento eu chamo-te, e não há problema.

– Tu deves estar é maluco! Assim que eu me dormisse, tu já estavas a ressonar. Depois estávamos os dois bem fodidos quando o furriel nos agarrasse a sonhar!

– Gramava que tu descansasses! Hoje tens de ir p´rà mata e ainda mais com a puta da MG às costas... deve ser pesada como um raio!

– P´ra mim dá igual. Começa mas é a contar lá essa merda do sonho!

– Foi um sonho bestial! Sonhei que estava na cama com cinco gajas muito boas... umas tipas “boazonas” lá na minha terra...

JS
(cont.)

Fotografia de " OsLuenas@groups.msn.com"

[1] Prisão
[2] Sargento
[3][3] Estar de sentinela
[4] Companhia de Comando e Serviços
[5] Aerograma
[6] Punição
[7] Fazenda de café nos Dembos e na margem direita do rio Dange

Natal em tempo de GUERRA


A chuva sempre forte continua a fustigar. Tamborila a chapa canelada de zinco a cobrir o posto de sentinela, alcandorado no centenário embondeiro. O motor do gerador da luz continua a roncar. Sempre forte e monótono. A alvorada ténue faz distinguir já a silhueta dos edifícios das casernas.

De repente, amanhece em África!

Bebemos uns copos, – largos! – como é costume nas vésperas das grandes operações. Avançaram até as reservas: – as garrafas de whisky que cada um tinha escondido nos seus quartos.

O tenente-capelão dava o gelo e a bênção para cada rodada.

Eram dez horas quando, meio tonto, entrei naquilo a que me tinha acostumado a chamar de meu quarto. O capitão da CCS roncava, como era costume. Às escuras deitei-me.

Penso que dormi umas duas horas.

Acordei com um terrível pesadelo. A chuva grossa cai desamparada sobre as folhas de zinco do barracão. De repente, parou. A cama foi ficando cada vez mais pequena. Os roncos do gordo capitão são cada vez maiores. O silêncio da África é absoluto. O calor é húmido e peganhento. A insónia, clara e deprimente. Como seriam os próximos dias?

Só Deus poderia saber. Esse Deus que há anos ignorara estava agora ali bem perto e eu quedava-me mudo, sem coragem para lhe falar e muito menos, pedir o que quer que fosse. Pareceria mal só me lembrar Dele quando me sentia à rasca!

O suor ficou gelado. Tenho frio em África!

Mas os soldados, os meninos grandes que eu desmamara? E as famílias que tínhamos deixado? E a Pátria que havia que defender? E a incerteza da batalha que teríamos todos de afrontar? Pelo menos para esses, Misericórdia Senhor!

E se eu morrer? É sempre trágico morrer-se aos vinte e seis anos!

Que frase mais idiota! Mas, vendo bem, pouca falta faria. O meu pai tomaria conta do rapaz e ela, nova e bonita, seguiria o seu caminho. Havia choros, recordações e a certeza de que teria morrido com dignidade. Ao menos isso! Fora esta a vida que escolhera. Eram estes os frutos que ela dava. Tudo menos ter ou revelar que, no fundo, o que tinha era medo. Só os perus morrem de véspera! Mas seria mesmo assim? E o malvado sono que não chega. A merda da cama está toda encharcada de suor.

Tenho medo. Levanto-me. Tenho de arrumar as minhas coisas. Se, por acaso... há que deixar tudo mais ou menos arrumado.

O gordo ressona e peida-se. Nunca fez cerimónia! É assim na caserna, – disse. De noite dorme com um pijama riscado, que julgo nunca ter sido lavado. De manhã veste a camisola interior, cavada e sem alças, que diz ser muito boa para prevenir constipações.

Parece que voltei às camaratas do colégio. Mas este nunca poderia ter lá andado. É velho demais. Sobretudo na alma. Não há dúvida: – podia ser meu pai! Rebola-se, ronca e sonha, e, amanhã, dirá que não conseguiu dormir e continuará a chatear-me porque as rações de combate não estão certas, e eu terei de pagar as que faltam no depósito do reabastecimento da sua, – dele – CCS. Ele pensa ser o dono da guerra. Se calhar, é mesmo! Pelo menos é o dono das rações de combate. Bem pode o Valente dizer-lhe que vem na ordem de operações, mas dali, do seu depósito de víveres, não sai nada sem requisição. Está dito e bonda!

Põe na tal requisição a soberana assinatura ou um estranho gatafunho como visto, e aponta, sempre com um lápis, – tirado da orelha, – no caderninho que trás no bolso da perna das ensebadas calças de serviço.

Já arrumei tudo. Afinal é muito menos do que pensava. Só falta atar o cordel nas malas, para depois lhe porem o lacre. Meses depois as embambas[1] chegarão ao meu pai, como está escrito nos papéis confidenciais da guerra que todos nós assinamos, por se acaso...

De repente, amanhece em África!

O motor da luz parou.

JS
(cont)

Fotografia de " OsLuenas@groups.msn.com"

Natal em tempo de GUERRA


A coluna auto segue, em marcha muito lenta, sobre o barro pegajoso e vermelho da picada.

Cai uma viatura num dos buracos.

Os soldados montam automaticamente a segurança. Outros, água pelos joelhos, lama até aos olhos, ajudam a desatascar esta, mais aquela viatura que patina na lama.

Puxa daqui, empurra de acolá, o suor e o barro fundem-se numa crosta que lhes acentua os traços dos rostos quase imberbes.

– Ó pá solta o guincho dessa Berliet...

– Acelera um pouco... mais… mais… acelera menos... atolaste esta merda!!!

– És um nabo, ó maçarico!

– Maçarico, é a puta da tua mãe!

– Vá, agora... mete aqui uns ramos, para ver se esta merda arranca...

– Atenção à segurança! Atenção à segurança!

– Esta chocolateira já está safa. Anda lá agora tu, óh nabo!

– Isso... se acelerares certo e sem parar, essa coisa anda!

– Óh meu alferes, aquele sacana do Quirino está sempre a baldar-se.

– Olhem lá a segurança.

– Já estamos neste atoleiro há mais de duas horas.

– Éh pá, não deixes molhar a MG

– Já abriste a tua ração de combate?

– Os “turras” são uns gajos porreiros. Há tanto tempo que aqui estamos e ainda não chatearam!

– Quando chegarmos às palmeiras, as viaturas abrandam um pouco, e a malta salta em andamento. Você, que vai na testa da coluna, começa a saltar assim que passarmos o terreiro da antiga sanzala. Você, Marinho, diz aos furriéis para mandarem saltar os homens por equipas, e em numeração seguida. Cuidado com os disparos fortuitos ao saltar e a ver se não partem nenhuma G-3,[1] ao caírem. O ponto de reunião será junto ao rio, que está em baixo e a um morro de pedra que se distingue perfeitamente. Agora escutem com atenção: esta operação não é nenhum piquenique. Será tanto mais fácil conforme os cuidados que tivermos, e evitarmos erros. Os alferes passam novamente revista ao pessoal e viaturas. Boa sorte a todos. Zé, vai dizer lá à frente para começarem a andar.

Os dois grupos de combate reduzidos iniciam a progressão apeada no terreno controlado pelo inimigo. Agora tudo pode acontecer. A marcha a corta-mato é violenta e extenuante.

Um rapaz negro, de vinte e poucos anos, um guerrilheiro capturado, serve de guia. Parece conhecer bem o terreno. Ele e os soldados já são amigos de toda a vida.

Começou a subida, a poder de catana, de um monte de densa floresta. Ao chegar ao cimo, o capitão manda fazer o primeiro alto. A paragem será de três horas. O calor e a humidade são muito fortes.

– Hélder, dê uma volta ao seu grupo de combate para ver como estão os homens. Você, Marinho, faça o mesmo. Recomendem mais uma vez que isto não é para graças. Mandem as armas pesadas para o pé de mim, e o Madeira que traga a metralhadora e enfie a clareira daquele lado da encosta. Não há fogueiras para fazer petiscos com as rações de combate.

– Quer comer alguma coisa, mê capitão?

– Obrigado, Zé. Deixa aqui a ração, e vai chamar o nosso furriel das transmissões.

– Sim, mê capitão.

O furriel Alves Pereira chegou em seguida.

– Chamou, meu capitão?

– Alves Pereira, montem uma antena horizontal para ver se temos contacto.

– O.K., meu capitão.

– Mê capitão, quer um pão com omeleta de chouriço e ovo, que eu pedi ao cozinheiro p'ra arranjar?

– És uma máquina, Zé, dá-me dali o cantil.

As nuvens ameaçam chuva. A chuva é o grande aliado dos golpes de mão. Torna mais difícil a detecção da aproximação.

Eram quase quatro da tarde. No meio de uma mata muito densa, onde se ouvia já o ruído das águas revoltas e barrentas do Dange, foi montado o estacionamento para pernoitar. Os grupos de combate tomaram as precauções rotineiras, montando em estrela, os postos de escuta de sentinelas dobradas. Os homens em qualquer parte encontravam sempre forma de se instalarem o mais confortavelmente.

Foi novamente montada a antena horizontal do posto de rádio GRc-9. Do outro lado, no Comando, o posto estava em escuta permanente.

JS

(cont.)

[1] Espingarda automática

sábado, 8 de maio de 2010

Natal em tempo de GUERRA

Eram já cinco horas, quando apareceu o avião.

A tropa detestava a presença destes aparelhos. Davam a conhecer ao inimigo a posição. Também porque traziam, quase sempre, presságios de má sorte. Mas nem tudo eram desvantagens. Se não fossem estas gloriosas máquinas voadoras, nunca certos comandantes haviam de ver, ao menos de longe, os sítios da guerra!

– Cobra, aqui Pardal. Leve-me à sua vertical.

Era sempre a mesma cegada. Até que não se indicasse claramente onde se estava, não ficavam satisfeitos. O capitão franziu o sobrolho e lá foi dando as indicações.

– Ok Cobra, vi perf

eitamente a sua posição. É fundamental para a festa de amanhã. Se não tem nada, Bravo Tango e terminado.

O avião afastou-se, deixando de se ouvir em poucos segundos.

A mata tropical voltou ao silêncio. Daqui até ao anoitecer, tudo seria paz na terra da guerra. Os raios de sol caminham para o rápido ocaso, violento, como a terra que iluminam, escoando-se entre o arvoredo.

O capitão sentou-se no toro de uma das muitas árvores seculares, e estendeu a carta da região no solo. Orientou a carta pela bússola e tomou notas. Com o cansaço bem estampado no rosto, limpou o suor que lhe corria com o "quico", abriu o bornal da cintura e tirou a eterna ração de combate. Como um autómato, comeu uma lata de sardinhas com um bocado de pão duro. Quando terminou, limpou a boca às costas da mão e bebeu dois golos de água morna do cantil.

Fora mais um piquenique na guerra!

Não tardou em anoitecer. Os homens descansavam e dormiram, enrolados nos panos de tenda e nos ponchos, e dormiram de um sono só. Tinham andado a pé mais de nove horas.

O inimigo não dava sinais de vida.

Choveu copiosamente durante toda a noite. Quando nasceu o sol parou de chover. O ar de neblina e a humidade, trazia o característico cheiro da mata. A atmosfera urdira nevoeiro ténue, teia quase irreal de homens, árvores, armas e raios de sol, como focos de um enorme palco.

Antes das dez horas, começou o esperado e desesperado dia D, com o avião a sobrevoar a posição.

– Cobra, aqui Pardal. Informo não ser possível efectuar o bombardeamento, porque antes do meio-dia não há tecto para os falcões[1]. Não podemos atrasar. Desencadeie, imediatamente, o golpe de mão. O objectivo principal está no morro, azimute 82. Desça a encosta onde se encontra até encontrar um pequeno riacho. No outro lado e a cerca de cem metros do rio, começa o objectivo. As cubatas estão dispersas debaixo das árvores. O trilho leva ao objectivo. Diga se entendeu correcto. Escuto.

– Ok, Pardal, entendido. Rogo informe se Marte ou Neptuno[2] se encontram nesse. Escuto.

– Afirmativo. É Neptuno que está transmitindo. Escuto.

– Ok, Pardal. Diga-me qual a posição de Trovão[3] e onde posso encontrar uma clareira para fazer fogo de morteiro. Escuto.

– Trovão encontra-se junto à ponte do Totobola, na picada nova, quadrado noventa do transparente de operações. Por aqui não há clareiras para utilizar o morteiro. Tem um morro de capim, azimute 220, mais ou menos mil metros, mas não o pode utilizar. Iria atrasar a operação. Escuto.

O capitão limpou um suor frio da testa com o "quico ". Sem qualquer apoio de fogo e sem qualquer hipótese de surpresa, teria de atacar o mais forte reduto inimigo. Era impossível que não tivessem sido já detectados. O tão almejado golpe de mão, iria certamente, transformar-se numa ratoeira. Num banho de sangue!

– Cobra, aqui Pardal. Inicie imediatamente a marcha.

– Ok, Pardal. Neptuno, isto não me cheira nada bem. Escuto.

– Spartacus, aqui Neptuno. Deixe-se de considerações e cumpra a ordem. Para trás mija a burra. Boa sorte e Victor Charlie[4].

– Obrigado, Victor Charlie.

As ordens foram transmitidas aos grupos de combate, e destes às equipas de combate.

Os soldados sabiam exactamente a quem competia ir à frente, dentro de cada grupo e dentro de cada equipa, qual era agora o primeiro.

Em combate os gestos e os actos são mecânicos e automáticos. Nunca há voluntários. Simplesmente há destino. Cada um tem o seu.

O estacionamento foi levantado e as latas das rações enterradas e disfarçadas para não poderem vir a ser utilizadas para armadilhas.

Junto do capitão veio o soldado a quem competia agora, ir à frente, receber as ordens. Era natural do Algarve. Forte e entroncado, contrasta no seu aspecto rude, a cara de menino loiro. No jeito cantado dos algarvios, interpelou:

– Meu capitão, posso fazer fogo de reconhecimento?

– Olha Silva, o fogo de reconhecimento só faz bem aos nervos. Se puderes evitar de o fazer, muito bem, se não... – voltando-se para o outro soldado que ali estava, continuou:

– Quirino, metes a tua equipa em linha, dentro da mata. Evita o trilho. Ouviste bem?

– Sim, meu capitão.

– Os comandantes dos grupos de combate e os comandantes das secções verificam o equipamento, e se todos têm as armas prontas a fazer fogo. O Madeira vai com a MG na terceira equipa. Só faz fogo para o lado direito. Deve ser desse lado que devem vir as emboscadas. No rio, quase seco, a progressão é feita por lanços. Somente depois de termos ocupado a outra margem é que se inicia a travessia. Uma equipa de cada vez. Você, Hélder, aguente deste lado, com três equipas. Tem de assegurar uma eventual retirada. Veja se não há fogo cruzado. O morteiro, a bazuca e a outra metralhadora MG ficam na minha equipa. Só fazem fogo à ordem. A bazuca emprestada pela CCS vai com o Marinho. Alguém quer fazer alguma pergunta?

Não houve resposta.

O perigo estava estampado em todos os rostos.

O capitão continuou:

– A maior atenção aos sinais de combate. Muita sorte para todos. Silva, está a andar...

O Zé Inácio bate nas costas do capitão, dizendo:

– Mê capitão, o “turra” está a dizer que aqui todos os trilhos estão armadilhados. O gajo devia ir em primeiro lugar, de "arrebenta" minas, nã é mê capitão?

– Olha, Zé aqui já não há perigo de nos perdermos. Não ouviste de madrugada o cantar dos galos?

– Ouvi, si senhor. Os filhos de uma magana devem estar aqui bem perto.

– Mais perto do que tu imaginas, Zé.

JS

(cont.)

[1] Aviões a jacto de ataque ao solo
[2] Códigos para o comandante e oficial de operações
[3] Código da companhia que ia no outro eixo em sobrapoio
[4] Viva a Cavalaria

Natal em tempo de GUERRA

Eram dez e doze. Uma violenta explosão soou, desencadeando infernal tiroteio. Explodiam granadas. Vibravam rajadas de metralhadora. As árvores da floresta tinham-se transformado. Os seus braços gigantes, empunhavam centos de metralhadoras. Um vulcão de metralha entrou em violenta erupção no meio da mata. O cheiro a pólvora, explosivos e sangue, torna mais difícil o respirar. Num momento, começou a cheirar a talho por todo o lado. Os soldados rebolam pela encosta fazendo fogo e procurando um abrigo.

O alferes Marinho, em grandes saltos de canguru, aparece e desaparece, articulando e manobrando o grupo de combate.

– Baixa o cu e faz fogo.

– Muda de posição, pá – grita, enquanto dava um pontapé num dos soldados que estava lívido e pregado ao chão pelo medo.

– Mexe-te, meu sacana... senão aqueles filhos da puta matam-te, meu animal.

Neste apocalipse, um grito percorre o ar.

– Enfermeiro à frente. Enfermeiro à frente.

A frase temida é transmitida de homem a homem.

O "Pastilhas", o Constantino, sem temer perigos, de cócoras e aos pulos, atravessa aqueles metros que parecem quilómetros, a toda a velocidade, seguido pelo capitão e o Zé Inácio, a sua sombra.

O espectáculo é dantesco.

Uma cratera com mais de cinco metros, está no meio do trilho. Pedaços de carne ensanguentada, pedaços de tripas, aos farrapos, estão espalhados pelas árvores.

No chão, quatro soldados parecem mortos. Não se mexem. Deitam sangue pela boca. Ainda respiram e gemem.

O capitão ajudado pelo Zé Inácio e o Constantino, arrastam os corpos para detrás das árvores, para os abrigarem do fogo, que continua.

A batalha tem gritos de raiva dos vivos, gemidos dos feridos, e muitas ordens gritadas.

A floresta virou talho. O enfermeiro não sabe a quem acudir. O capitão ajuda o enfermeiro. Com um pouco de algodão limpa o sangue que em golfadas, corre da boca de um dos soldados.

– Ai, meu capitão, que eu morro...

– Calma, pá. Isto vai-se resolver! Zé, vai dizer ao furriel que peça imediatamente evacuação heli para cinco ou seis feridos muito graves.

O tiroteio não abranda. As árvores vomitam metralha.

– Mê capitão, o furriel não consegue entrar em ligação. Diz que a mata é muito densa. Lá atrás, o nosso alferes Hélder está também cercado de “turras”. Não o deixam passar para o morro.

– Corre lá Zé. Ele não se pode deixar isolar. Senão, nunca mais saímos daqui.

– Mê capitão, aqueles bocados de carne... nas árvores, … são do Silva?

O capitão limpa o sangue da cara de um homem arrastado para fora da zona de morte. Está lívido. As árvores entram, de repente, a rodar no carrossel gigante.

Sim é verdade.

Os pedaços de carne pendurados naquele açougue, eram tudo o que restava, do que em vida, fora soldado, se chamara Silva, fora algarvio e, momentos antes estivera a seu lado, respirando o mesmo ar.

O turbilhão gira e confunde.

Tudo é real e não tem nexo.

A realidade e o pesadelo são coincidentes.

– Mê capitão, o furriel já entrou em ligação...

– Diz-lhe que peça apoio aéreo... ao menos com foguetes... e insista nas evacuações.

– Ai, meu capitão, que eu morro...

– Calma... calma... isto vai. Onde te dói?

– Todo o corpo... mas, mais no peito... não consigo respirar...

– Já está, mê capitão.

– Zé, vai ver o que se passa com o nosso alferes. Vê se já está no morro. – dirigindo-se ao soldado atirador que estava mais perto – Éh pá ... éh pá ... passa-palavra "alto ao fogo".

O soldado gritou para o outro que lhe estava próximo:

– Alto ao fogo... Alto ao fogo…

Foram minutos eternos para haver silêncio.

Natal em tempo de GUERRA

pedaços de tripas, aos farrapos, estão espalhados pelas árvores.

No chão, quatro soldados parecem mortos. Não se mexem. Deitam sangue pela boca. Ainda respiram e gemem.

O capitão ajudado pelo Zé Inácio e o Constantino, arrastam os corpos para detrás das árvores, para os abrigarem do fogo, que continua.

A batalha tem gritos de raiva dos vivos, gemidos dos feridos, e muitas ordens gritadas.

A floresta virou talho. O enfermeiro não sabe a quem acudir. O capitão ajuda o enfermeiro. Com um pouco de algodão limpa o sangue que em golfadas, corre da boca de um dos soldados.

– Ai, meu capitão, que eu morro...

– Calma, pá. Isto vai-se resolver! Zé, vai dizer ao furriel que peça imediatamente evacuação heli para cinco ou seis feridos muito graves.

O tiroteio não abranda. As árvores vomitam metralha.

– Mê capitão, o furriel não consegue entrar em ligação. Diz que a mata é muito densa. Lá atrás, o nosso alferes Hélder está também cercado de “turras”. Não o deixam passar para o morro.

– Corre lá Zé. Ele não se pode deixar isolar. Senão, nunca mais saímos daqui.

– Mê capitão, aqueles bocados de carne... nas árvores, … são do Silva?

O capitão limpa o sangue da cara de um homem arrastado para fora da zona de morte. Está lívido. As árvores entram, de repente, a rodar no carrossel gigante.

Sim é verdade.

Os pedaços de carne pendurados naquele açougue, eram tudo o que restava, do que em vida, fora soldado, se chamara Silva, fora algarvio e, momentos antes estivera a seu lado, respirando o mesmo ar.

O turbilhão gira e confunde.

Tudo é real e não tem nexo.

A realidade e o pesadelo são coincidentes.

– Mê capitão, o furriel já entrou em ligação...

– Diz-lhe que peça apoio aéreo... ao menos com foguetes... e insista nas evacuações.

– Ai, meu capitão, que eu morro...

– Calma... calma... isto vai. Onde te dói?

– Todo o corpo... mas, mais no peito... não consigo respirar...

– Já está, mê capitão.

– Zé, vai ver o que se passa com o nosso alferes. Vê se já está no morro. – dirigindo-se ao soldado atirador que estava mais perto – Éh pá ... éh pá ... passa-palavra "alto ao fogo".

O soldado gritou para o outro que lhe estava próximo:

– Alto ao fogo... Alto ao fogo…

Foram minutos eternos para haver silêncio.

Os gritos de dor dos feridos, balbuciados entre dentes, pareciam estar a ser transmitidos através de uma amplificação sonora.

– Ferimos uns gajos e, no local dos rastos do sangue, encontrámos estas munições de Kalash. Os “turras” iam-nos cercando. Eram mais de cinquenta a fazer fogo à ganância. Tenho o morro controlado com três equipas – disse o Hélder com a respiração ofegante e o suor a correr pelo rosto sombreado por uma barba de três dias.

– Bem... precisamos de transportar os feridos até lá atrás. Zé, dá aí uma ajuda... pega com jeito... para não fazer doer...

– Ai... meu capitão... eu vou morrer... eu vou morrer…

– Pastilhas, dá morfina a todos os feridos, senão isto nunca mais anda. Éh pá... passa palavra… para o Marinho vir cá.

Chegou o alferes.

– Meu capitão, o Quirino salvou a malta. Assim que o Silva bateu no cordão de tropeçar, rebentou a mina. Tinha amarrada uma bomba de avião de cinquenta quilos. O Silva ficou desfeito. Os gajos estavam emboscados do lado da equipa do Quirino. Começaram a fazer tiro de rajada, a varrer. Quirino, arrastou a equipa, saltou para cima deles e atacou com granadas e fogo. Se o gajo não tivesse feito aquilo... os “turras” tinham vindo agarra-los à mão. O Madeira foi também bestial; pôs a metralhadora a cantar, e, de joelhos, obrigou os tipos a enterrar os cornos no chão!

– Está bem. Confira rapidamente o seu grupo. Veja se falta alguém ou se desapareceu algum armamento. Diga ao Hélder para fazer o mesmo.

– Como estão os feridos?

– Não sei exactamente. Parece que bastante mal. Não sei se foi do sopro da explosão, se...

A frase é interrompida. Muitos tiros e explosões de granadas. Os dois oficiais, como que sacudidos por uma mola, rastejam, saltam como coelhos e fazem fogo para a direcção onde estava o inimigo.

Os arbustos, junto ao corpo do ferido, tinham sido decepados, instantaneamente, por uma tesoura invisível.

Eles voltavam à carga.

– Marinho, temos de atirar a sua tropa para cima destes filhos da puta... senão, isto nunca mais pára. Os cabrões podem estar a armar-nos alguma ratoeira – e gritando: – Façam fogo… mas só pela certa.

Duraram alguns minutos. A manobra do grupo foi efectuada. Os guerrilheiros, mal deram conta, retiraram. As suas fardas negras eram vistas de relance. O estalar dos ramos a partirem-se e o característico som das suas automáticas, anunciavam os que ainda combatiam. Cobriam a retirada dos seus companheiros. A simbiose entre eles e o terreno era perfeita. Quando estavam a retirar gritam:

– Vai p'ro Puto, tuga[1], filho da puta!

– Tuga... colonialistas... filhos da puta!

– Morte aos tugas salazaristas!

– Brancos cabrões. Fora dos nossa terra!

Os soldados não lhes ficavam atrás. A peixaria estava instalada!

Finalmente o tiroteio terminou.

– Mande apanhar os restos do Silva para um pano de tenda. Vamos recolher os feridos e preparar as evacuações. Veja se falta a arma de algum ferido – disse o capitão.

– Não falta. Estão todas. A do Silva ficou destruída, mas há ali umas peças retorcidas. As outras estão todas.

– Quantas são as baixas, exactamente?

– Estão a atacar a Alfa. Já têm dois mortos, e não consegui entender o número de feridos. Estão a pedir também evacuação, via rádio – disse o Alves Pereira afogueado.

– Isto não há dúvida que promete! A procissão ainda está só no adro. Vai ser um arraial dos antigos!

– Os hélis devem estar quase a chegar. Ouvi na rádio eles a pedirem a Luanda-Rádio, um avião de transporte de feridos para a Fazenda Margarido. Vão fazer as evacuações desta zona para a Fazenda.

– Temos de pôr isto imediatamente a andar. Comecem a remover os feridos. Você, Alves Pereira, continue em escuta.

– Meu capitão, o alferes Hélder já tem o morro tomado. Mas, daqui até lá, ainda é mais de um quilómetro.

– Meu capitão, do que restou do Silva, somente temos ali a cabeça com um bocado do peito, e um pé dentro de uma bota – disse o cabo enfermeiro.

– Pois é isso que se recolhe.

– Foi o que nós fizemos.

– E onde está?

– Naquele pano de tenda que o Botelho traz na mão – respondeu o Constantino.

Um soldado cabe num pano de tenda. Um outro soldado leva-o na mão, agarrado pelas quatro pontas!

Era cerca de meio-dia, quando se terminaram as evacuações. Três helicópteros baixaram, recolheram os feridos, e levaram o pano de tenda.

Só ao fim da tarde apareceu de novo o DO 27. Comunicou que no dia seguinte seria transmitida a decisão do Comando.

Mas esta não veio. Nem de manhã nem de tarde. Não havia jactos. Não havia tecto.

[1] Português

Natal em tempo de GUERRA


24 de Dezembro de 1966.

Os dois capitães vão sentados numa Berliet, de regresso a Quicabo.

– Nunca mais chegamos!

– Com as últimas chuvadas esta merda está intransitável.

– Se calhar temos de passar a noite aqui na picada...

– Não é natural. Logo que passemos a Baixa das Bananeiras, isto andará mais depressa.

– Se os “turras” se lembram de fazer uma emboscada...

– Não me parece. Têm o papo cheio! A coluna é demasiadamente grande. Só se forem flagelações, mas à distância.

– Foi uma pena que a operação não resultasse!

– Pois foi.

– Você esteve quase no objectivo. Se ao menos tivesse queimado as cubatas, isto tinha sido um brilharete! Assim...

– Quer dizer, o sucesso da operação era queimar cubatas!?

– Não é isso que estou a dizer. Se tivesse queimado as cubatas, podia-se fazer um relatório bem diferente. Você até podia, pessoalmente, ter dado a volta àquilo.

– Essa volta de que está a falar, custaria mais uns quantos mortos e feridos. Eles estavam lá em força, como se viu!

– Por favor... são uns porcos terroristas. Isto tudo foi uma merda. Aqueles tipos da Força Aérea, tanto prometeram e faltaram! Que não tinham tecto ou a puta qu' os pariu!

– Mas era certo. Nesta época do ano, de madrugada não há tecto para jactos. O cacimbo leva muito tempo a levantar.

– Olhe, quer que lhe diga? Tudo isto foi a teimosia do comandante. Quis à viva força fazer a operação, e agora aqui tem os resultados. Sabe que mais? Agora o que me interessa é chegar a Quicabo e ver se ele me deixa ir passar uns dias a casa com a família, agora pelo Natal. O resto que se foda!

A coluna auto, ronceiramente, segue o seu caminho.

Chegou-se a Quicabo a tempo de tomar banho, fazer a consoada, comer o bacalhau e ir ao teatro que o capelão tinha esmeradamente organizado.

O “rancho,” foram as celebérrimas batatas com bacalhau. Estavam frias e o bacalhau estava muito mais salgado.

Tinha lágrimas a mais...

Como era noite de Consoada, todos comeram fraternalmente no mesmo refeitório. Não havia apetite. Havia, e com fartura, muitas bebedeiras.

Não houve Feliz Natal.

Natal em tempo de GUERRA


26 de Dezembro de 1966

Quando se substituíam as munições dos carregadores e se limpavam convenientemente as armas, um soldado deixou disparar, fortuitamente, a sua arma.

A rajada matou três, e feriu mais cinco soldados.

Na enfermaria do Batalhão, os moribundos expiraram, os feridos gemeram e um dos médicos tentou, desesperadamente, reanimar um dos moribundos, em respiração boca-a-boca.

Indiferente à tragédia, num pequeno transistor, cantava-se o velho fado:

"Quando foram dizer à pobre mãe que o filho, lhe morrera lá na guerra..."

Um mês mais tarde, nos finais de Janeiro de 1967, para atacarem o mesmo objectivo do N'Galama-Piri, foram empenhadas:




13 Companhias de Atiradores;
1 Companhia de Paraquedistas;
1 Bateria de Artilharia 8.8;







Apoio Aéreo ao solo, assegurado com três parelhas de F-84 e várias parelhas de T-6.

O objectivo, suficiente para um pouco mais de uma dezena de homens, foi atacado, assim, por mais de mil e quinhentos homens.

Disseram os jornais da época ter sido um grande sucesso militar!

Nota do Autor:

– O diário do capitão, amareleceu e perdeu a pouca importância que alguma vez possa ter tido. Foi esquecido. Depois foi deitado ao lixo. Os herdeiros do capitão não gostavam de guerra e muito menos de África.

Oito anos mais tarde as armas mortíferas dos colonialistas, depois da "retirada a pé descalço" que foi a "exemplar descolonização", foram entregues aos nacionalistas. Serviram para que se matassem, uns aos outros, mais a cubanos e sul-africanos que entraram nas intermináveis batalhas, e que, décadas mais tardes, permitiram que continuasse a guerra civil.

Uma das folhas deste diário serviu para acondicionar e depois embarcar um dos milhares de caixote de munições que estavam a ser exportadas. Não se sabe, se para uma das muitas guerras nos países soberanos de África ou se para os cacos ensanguentados do que ficou dos povos desbaratados da Jugoslávia.

Aqui bem perto:

– Na Europa.